sábado, junho 10, 2006

Quanto vale uma vida?

Se for no Brasil, por 50 reais compra-se uma vida, ou melhor dizendo, uma morte. Se for na África ou em alguns lugares na Ásia, qualquer trocado serve para comprar uma criança ou adolescente, que depois será escravizada ou alugada em prostíbulos.

Coisa de gente pobre? Nem tanto. Há poucos dias, um alpinista que estava escalando o Himalaia não aguentou a jornada e desfaleceu numa das trilhas. Vários outros alpinistas passaram por ele e não prestaram auxílio alegando que, ao fazê-lo, provavelmente não poderiam completar a escalada, “desperdiçando” os milhares de dólares pagos na aventura. Sem auxílio, no frio e no ar rarefeito, o pobre coitado, cuja vida aparentemente não valia alguns milhares de dólares, morreu.

Fico imaginando se o fato de o mundo estar com mais de 6 bilhões de pessoas não está causando uma desvalorização de cada um de nós, banalizando a vida e a morte. Seria um caso de inflação humana.

De certa forma, muitos seres humanos já saem de fábrica com o preço definido: Uma criança que nasça numa aldeia pobre no interior da África ou em alguns lugares no sertão nordestino já virá ao mundo com o seu destino praticamente definido, que dificilmente será diferente do caminho seguido pelos seus pais e avós. Há exceções, claro, mas elas infelizmente apenas confirmam a regra.

Há pouco tempo li um estudo feito nos EUA que dizia que para criar uma criança, do nascimento até os 18 anos, gastava-se em torno de 200 mil dólares. Ainda que estes valores sejam relativos a um país rico, mesmo recalculando para a realidade do Brasil, ainda obteremos um valor alto, considerando-se despesas com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, etc.

Estamos então com uma situação contraditória: os seres humanos de uma forma geral “desvalorizados”, enquanto gastamos milhares de dólares (ou reais) para criar mais crianças...

Não estou propondo que deixemos de ter filhos, ou que deixemos de oferecer a eles o melhor que pudermos. Acho que devemos sim dar o melhor para os nossos filhos, para que eles possam crescer com saúde e desenvolver suas aptidões e talentos, mas não podemos esquecer de incluir no pacote ensinamentos de respeito ao próximo. Nenhuma sociedade organizada é bem sucedida com uma política de “primeiro eu e que se dane o resto”. Aquela criança que está nascendo na favela ou na palafita, que vai crescer sem estudo, educação, saúde ou qualquer tipo de assistência básica, amanhã ou depois vai ser o adolescente ou adulto que vai ameaçar você, sua família, ou seu patrimônio.

Num ecosistema, todos os seres e o meio-ambiente em que vivem estão em constante interação. Não dá para se isolar, ou fingir que não está vendo. Podemos gradear os nossos prédios, colocar vidros escuros e alarmes nos nossos carros, evitar alguns lugares mais perigosos, mas nada disso será suficiente.

Temos que exigir dos governantes que elegemos e sustentamos ações eficazes e não apenas atos demagógicos ou puramente assistencialistas como vale-transporte, restaurante e hotel a um real, etc.

Temos que ensinar a pescar, ao invés de dar o peixe (ou os restos do peixe). Isto significa que o país tem que investir com inteligência e competência em:

1- Educação: Educação não é só mandar para a escola, mas sim assegurar que a escola esteja propriamente equipada, que os professores estejam bem preparados e que tenham boa condição de trabalho (inclusive salário), que os alunos tenham um currículo voltado para a realidade do país, fazendo com que aprendam ao invés de simplesmente passarem de ano e que possam sair da escola capacitados a entrar no mercado de trabalho com alguma qualificação. Além disso, a escola deve suprir o aluno com noções de higiene, moral e respeito, já que muitos não recebem isto em casa.

2- Saúde: Saúde não é só construir hospital e inaugurar com banda de música. É equipar o hospital com recursos humanos e materiais de qualidade. É investir em saneamento básico, vacinação e outras medidas de prevenção, que diminuirão a demanda por hospitais e tornarão a população mais saudável e produtiva.

3- Segurança: Segurança não é só botar polícia na rua. Segurança é o estado se fazer presente em todos os lugares e comunidades, para que não aconteça o que hoje vemos nas favelas, onde os traficantes são a autoridade. Logicamente, a polícia sempre será necessária, mas esta tem que ser bem preparada, paga e equipada. Um policial não pode ser diferente do bandido apenas no uniforme.

4- Trabalho: Deixei por último o item mais importante. O trabalho é aquele que vai possibilitar os três itens mencionados, ao mesmo tempo em que também será a consequência deles. Um povo que tem trabalho com salários dignos, paga mais impostos, consome mais (gerando mais demanda, produção e emprego) e tem melhores condições cuidar de seus filhos. Um estado em que o povo tenha trabalho com salários dignos, arrecada mais dinheiro, que pode então ser usado para investimentos que melhorem ainda mais as condições de seu povo. É um círculo virtuoso, em oposição ao círculo vicioso em que vivemos hoje de estado e povo falidos.

Eu reconheço que este artigo está meio utópico. Mas, temos que sonhar e exigir o melhor. Outros países, com muito menos recursos humanos e riquezas materiais, conseguiram superar anos de dificuldades e até de guerras, estando hoje inseridos no mercado globalizado, com evidentes ganhos de qualidade de vida para os seus cidadãos.

Uma vida vale muito. Uma vida produtiva, que contribua para as outras vidas atuais e futuras, vale muito mais. Pense nisto na próxima vez em que for votar.

segunda-feira, junho 05, 2006

Minha avó

Hoje faleceu a minha avó. Finalmente descansou, pois desde que o meu avô faleceu ela havia perdido a lucidez, não mais reconhecendo as pessoas, vivendo numa outra dimensão, num mundo só dela.

Ainda que ache que ela se libertou do peso em que a vida havia se transformado para ela, estou sentindo um vazio muito grande. Um vazio de quem não é mais neto de ninguém, já que não tenho mais avôs ou avós vivos. Um vazio por não mais poder saborear os pés-de-moleque que só ela sabia fazer. Um vazio por nunca ter me despedido propriamente (se é que isso existe)...

Minha avó era uma pessoa muito engraçada. Tendo imigrado para o Brasil ainda jovem, sem saber o português, nunca perdeu o sotaque que lhe era característico. Como toda avó, adorava empurrar comida nos netos e ficava ofendidíssima (adorava um drama!) se recusássemos. Não dava para visitá-la sem encher a barriga. Não dava também para escapar daqueles beijos que pareciam que iam arrancar fora a nossa bochecha. Adorava pegar a gente para um jogo de buraco, mas ficava possessa quando a flagrávamos jogando de forma “menos ortodoxa”.

Ela não bebia nem fumava, era a típica dona de casa, mas tinha um hábito que já tinha se tornado parte do folclore da família: adorava jogar no bicho. Jogava mixaria, trocados, mas era o passatempo dela (como o bingo dos aposentados, hoje em dia). Até quando a gente viajava de férias para alguma outra cidade, não sei como, ela sempre dava um jeito de achar o apontador de bicho local. O meu avô, muito rígido, não gostava e brigava, o que me fez, já adulto, de vez em quando, dar a ela algum dinheiro escondido para ela jogar na “brabuleta”.

Ainda que ela tivesse opiniões fortes, tinha uma certa ingenuidade infantil. Adorava uma festa e fazia o maior sacrifício para não perder nenhuma, apesar da artrose nos joelhos que a incomodava desde que eu me conheço por gente. Era muito vaidosa e se arrumava toda, com capricho.

Ela se foi, deixando saudades, mas ficou na memória dos muitos filhos, netos e bisnetos. Espero que onde ela esteja agora tenha sempre muita festa, com muita comida e convidados. Tenho certeza que, a essa altura, ela até fez uma fezinha, escondida do meu avô...