sábado, outubro 28, 2006

O Crepúsculo da Democracia

Eleições no Brasil, eleições nos EUA. O que deveria ser motivo de alegria, afinal de contas a idéia é que cada cidadão democraticamente escolha aqueles que irão representar os interesses da população, tornou-se motivo de total descrença.

Descrença no processo, descrença nos candidatos, descrença nas promessas e, por tabela, descrença na capacidade dos eleitores de fazer uma escolha madura e consciente.

O processo, tanto nos EUA como no Brasil, foi aos poucos sendo deturpado. Apesar da história oficialmente registrar a criação do processo eleitoral como tendo acontecido na Grécia, imagino que ele surgiu (ou poderia ter surgido) de forma espontânea em uma pequena vila em que a comunidade local escolheu naturalmente o seu líder, provavelmente aquele que tinha mais experiência e capacidade de unir todos em torno de um objetivo: o bem comum.

Ao longo dos anos o processo foi sendo modificado e aperfeiçoado. Regras foram estabelecidas, processos foram criados, entidades de fiscalização se tornaram necessárias para garantir que tudo funcionasse de acordo com a idéia primordial de selecionar aqueles que seriam os porta-vozes das necessidades e anseios dos demais.

Só que em algum momento da história houve um desvio de objetivos, uma ruptura de processo, porque o que vemos hoje é algo que se assemelha muito mais a um misto de venda com difamação. Os candidatos usam “marketeiros” para se promoverem, criando jingles, slogans e bordões, como se fossem um produto como pasta de dentes, sabão em pó ou refrigerante. Ao mesmo tempo, as campanhas mostram mais os defeitos dos concorrentes do que as qualidades do candidato, numa guerra em que quanto pior, melhor.

Os candidatos, por sua vez, deixaram de representar o povo para defender seus próprios interesses, ou daqueles que os financiam. O que vemos então são pessoas totalmente despreparadas para assumir o poder e a delegação que receberam, se colocando acima daqueles que os elegeram, passando a fazer parte de uma elite que vive num mundo de fantasia, totalmente alheios à realidade que os cerca. São os parasitas que sugam as energias da nação, os bêbados inebriados pelo poder, os cafetões do povo.

As promessas, que deveriam claramente mostrar a linha de pensamento, as idéias e as prioridades de cada candidato, se tornaram moeda falsa. Os candidatos fingem que vão cumprir e o povo finge (ou será que nem sequer finge mais?) que acredita. Assim, as promessas oscilam entre propostas vazias de conteúdo e propostas mirabolantes, impossíveis de serem cumpridas. O jogo passa a ser falar para o eleitor aquilo que ele quer ouvir, numa show de demagogia e populismo que emburrece a todos.

O eleitor, despreparado, manipulado, confuso, ou vira massa de manobra na mão de políticos inescrupulosos, ou se torna um alienado, desistindo de influir no processo, como se dele não fizesse parte ou tivesse interesse. São extremos de uma mesma realidade: os que idolatram os candidatos e os que os ignoram.

O resultado disso tudo são campanhas milionárias, sujas e eleitos medíocres que se tornam parte de uma burocracia cada vez mais ineficiente e cara, sustentada pelo imposto pago por cada um de nós.

Talvez seja a hora de se repensar o processo político como um todo. Estamos passando por modificações profundas nas sociedades, na cultura, nos hábitos. O processo eleitoral, como é hoje, independente do país, não parece mais atender a esta nova realidade.

O problema é que modificações profundas exigem vontade e líderes, e a falta de ambos é justamente a causa de chegarmos a esta situação. É um triste e irônico ciclo vicioso.

domingo, outubro 08, 2006

O Meu é Maior que o Seu

Os deuses do marketing devem estar loucos. Ou, pelo menos, atacados de megalomania. Sim, porque foi dada a largada para a grande competição de tamanho, e não é sobre aquilo que você está pensando que estou me referindo...

A minha primeira máquina digital tinha espantosos 2 Mega Pixels, que eram suficientes para imprimir fotos em tamanho normal sem perda de qualidade. Apesar da maioria das pessoas sequer ter noção do que é o tal do Mega Pixel, hoje todo mundo quer mais e mais Mega Pixels. Até o momento em que escrevo este artigo, as máquinas no mercado vão de 5 a 10 Mega Pixels, permitindo que você imprima um pôster da sua sogra do tamanho da parede da sua sala.

E as TVs? As telas estão ficando tão grandes que vai chegar a um ponto que ao invés de comprarmos uma TV nova para a casa, teremos que comprar uma casa nova para a TV. É o multiplex doméstico.

Mas, não é só isso. Costumávamos comprar telefone sem fio, escolhendo a marca, cor e preço. Agora não. Agora temos que fazer cara de entendidos e perguntar para o vendedor se o aparelho é de 900 MHz, 2.4 GHz (1 Giga = 1000 Mega), ou 5.8 GHz, apesar de não termos a mínima idéia do que estamos falando (e nem ele).

Outro dia minha filha falou que queria um iPod. Quando eu disse que ia comprar um de 2 Gb achando que eu estava agradando, ela disse que tinha 5 Gb de músicas e que queria colocar todas no iPod. Pelos meus cálculos, se ela ouvisse música sem parar durante 12 horas por dia, ia levar cerca de uma semana para ela ouvir todas as músicas do iPod sem precisar renovar o estoque.

Eu sempre achei que celular fosse para ligar para alguém, ou para receber ligações. Não. Os gênios do marketing determinaram que um celular, para ser bom, tem que tocar mp3, tirar foto, enviar torpedo, servir de agenda, calendário, passar filme e até mesmo ser usado como cartão de crédito. Enquanto isso, o celular de 1001 utilidades tem dificuldade em fazer ligações telefônicas de qualidade, além de termos que lidar com teclas mínimas que servem para um monte de coisas ao mesmo tempo, e com menus que desafiam a nossa inteligência e paciência.

Por falar em mp3, agora todo aparelho que se preza tem que tocar mp3. Como se não tivéssemos mais nada para fazer na vida a não ser ouvir mp3. Recentemente lançaram uma escova de dentes que toca mp3 enquanto você escova os dentes. Espero que tão importante desenvolvimento para a civilização não chegue ao papel higiênico.

Outro dia estava numa loja de eletrônicos e vi um vendedor todo empolgado explicando para uma vovozinha as maravilhas do computador que ele estava tentando vender: “este computador tem uma CPU de núcleo duplo, com 4 GHz, 1 Gb de memória RAM DDR2 a 667 MHz, 4 Mb de cache L2, 300 Gb de disco serial ATA...” e por aí vai. A pobre da velhinha olhava com cara de assustada e, com jeito acanhado, perguntou se o computador serviria para mandar mensagem para os netos dela.

Em que ponto será que passamos a medir a qualidade e a adequação de algo apenas pelo seu tamanho? Será que precisamos de aparelhos que façam tudo ao mesmo tempo, ainda que mal feito, ou seria melhor termos aparelhos que fizessem o que se propõem com qualidade e simplicidade?

Se você é daqueles que tem dificuldade em fazer o relógio do vídeo cassete parar de piscar depois de ter faltado luz, aqui vai uma dica: evite produtos cujo manual seja maior do que o próprio produto. Pense duas vezes antes de comprar aquele celular do tamanho de um cartão de crédito, que vem com um manual de 457 páginas impressas em letras miúdas. Não vai dar certo...