segunda-feira, outubro 15, 2012

Para entender as eleições americanas

É tempo de eleições no Brasil e nos Estados Unidos. Como vocês já devem conhecer muito bem o processo eleitoral brasileiro, resolvi abordar as eleições americanas e dar uma visão "de dentro" do que está acontecendo este ano.

Em novembro, será eleito o presidente para os próximos quatro anos, contados a partir de janeiro de 2013. Devido ao poderio econômico, político e militar americano, os resultados das eleições daqui são importantes não só para os americanos, mas para o mundo todo, já que afetarão a postura dos EUA nos assuntos domésticos e internacionais nos próximos anos.

Embora oficialmente existam aqui vários partidos, na prática há somente dois que contam: os democratas e os republicanos. O Barack Obama, democrata, tenta se reeleger. O ex-governador de Massachusets, Mitt Romney, é o candidato republicano.

Depois de mais de 5 anos de recessão, desemprego, perda de poder aquisitivo da classe média e do fim do "sonho americano", esta eleição está se tornando quase que um plebiscito sobre o governo Obama, que assumiu prometendo mudança e oferecendo esperança, que acabaram por se transformar em decepção para boa parte do eleitorado. 

Para entender melhor essa disputa, é preciso entender as diferenças de filosofia de governo entre estes dois partidos. Os democratas (chamados de liberais, ou de esquerda), pregam uma influência maior do governo em termos de políticas sociais e regulamentação da economia. Já os republicanos (chamados de conservadores, ou de direita) pregam um "governo central menor", com menor interferência no mercado e são mais rígidos nas políticas sociais.

Aí, logo de cara, há um contra-senso: os democratas, apesar de serem mais "intervencionistas" em termos da economia, com políticas que de certa forma estimulam a distribuição de renda (seja através de taxação progressiva com relação à renda do contribuinte, ou através de uma rede maior de amparo social como seguro-desemprego e assistência médica), por outro lado são mais flexíveis com relação às práticas individuais, apoiando o aborto e o casamento homossexual. Já os republicanos, por serem mais do tipo "cada um por si", pregando uma menor interferência do governo na economia e no mercado e um maior rigor no amparo social (para que as pessoas não passem a viver às custas do governo), por outro lado são menos flexíveis com relação ao comportamento social, sendo mais tradicionalistas.

Como estas posturas de cada um dos partidos têm se exacerbado ao longo dos anos, o que se tem visto é cada vez menos os deputados e senadores buscando acordos e consenso. Assim, se há uma proposta boa por parte dos republicanos, os democratas bloqueiam. Se há uma legislação importante e útil elaborada pelos democratas, os republicanos votam contra. Isso está gerando uma polarização extremamente negativa e o país e a população acabam pagando a conta.

Ora, vocês aí no Brasil devem estar pensando que isso é normal, pois acontece demais na política brasileira, mas aqui não era assim. Ainda que sempre houvesse a doutrina e o interesse do partido, os políticos, sob a liderança do presidente e de membros influentes do Congresso e do Senado, eram capazes de fazer acordos visando o bem do país. No governo Reagan (republicano) e no governo Clinton (democrata), por diversas vezes os partidos se uniram e apoiaram importantes decisões que acabaram por contribuir para o progresso da nação.

Para piorar, esta campanha tem sido absurdamente cara e suja. Cara porque milhões de dolares estão sendo gastos com propaganda. Suja, porque quase sempre a propaganda visa falar mal do adversário ao invés de apresentar propostas ou idéias, ambos lados distorcendo fatos e baixando o nível da campanha política.

De onde vem tanto dinheiro? Dos Super PACs (Comitês de Ação Política). Os Super PACs são uma aberração recente devido à uma decisão bastante infeliz da Suprema Corte. Resumindo uma longa história: antes dessa decisão, as empresas (pessoas jurídicas) podiam contribuir para as campanhas só até um determinado valor, enquanto os cidadãos (pessoas físicas) podiam contribuir à vontade. A idéia era evitar que o poderio econômico das grandes empresas desequilibrasse o jogo. Entretanto, em janeiro de 2010, o Supremo deu ganho de causa à uma ação que alegava que as corporações deveriam ser tratadas como indivíduos e que esse limite de contribuição violava a livre expressão da corporação. Com isso, as empresas ficaram livres para contribuir quanto quisessem, desde que a contribuição não fosse feita diretamente ao candidato. Assim, surgiram os Super PACs, que por lei não podem ter vinculação direta com o candidato, mas podem apoiar e fazer propaganda. Os lobistas fizeram a festa e começou a jorrar dinheiro nos bolsos dos Super PACs, doado por empresas e de grupos de interesse querendo apoiar o candidato que fosse mais alinhado com eles. Como resultado, milhões de dolares passaram a ser gastos em propaganda apoiando um candidato e enxovalhando os concorrentes. Esta passou a ser então a eleição mais cara da história (recorde que certamente será quebrado a cada eleição daqui para a frente).

Infelizmente, os vícios do processo eleitoral não param aí. Os EUA gostam de se gabar de serem a maior democracia do mundo. Entretanto, há um "pequeno detalhe" que pouca gente percebe: boa parte dos votos para presidente não vale nada! Vamos ver se consigo explicar isso sem complicar muito.

A eleição para presidente aqui não é feita através de voto direto, mas sim através de colégio eleitoral, como era no Brasil no tempo da ditadura e das falsas eleições. Assim, o candidato/partido mais votado em um estado, nomeia TODOS os representantes do estado para o colégio eleitoral. Por exemplo: no estado de NY, tradicionalmente o candidato democrata ganha, enquando no Texas, o candidato republicano ganha. Assim, todos os delegados que NY envia para o colégio eleitoral são democratas e todos os delegados do Texas são republicanos. Cada estado tem número de delegados proporcional à população do estado.

Parece um processo justo, mais não é. Ainda no nosso exemplo, se em NY o democrata ganhar por apenas 1 voto, ou se no Texas o republicano ganhar por apenas 1 voto, todos os votos dos perdedores são descartados - o vencedor leva tudo. Já sabendo disso, os candidatos praticamente só fazem campanha nos estados onde historicamente não há um domínio de um partido. Estes estados, cerca de apenas uma dúzia, são chamados de battleground states (campos de batalha) e são os que definem a eleição.

Qual o resultado disso? Não há incentivo para um eleitor de um estado como NY ou Texas ir votar (o voto nos EUA não é obrigatório) e um presidente na verdade acaba sendo eleito por uma pequena parcela da população (desses battleground states) mesmo que não tenha tido o maior número de votos individuais (chamados votos populares) somados no país todo.

Assim, a "maior democracia do mundo", elege um presidente que teve poucos votos, que pode ter sido o menos votado, que se promoveu às custas de malhar o adversário com muito dinheiro de empresas, e que vai governar com apoio de um partido e ignorando o outro... Depois não entendem o por que do país estar em má situação...

Com relação aos candidatos deste ano: se eu tivesse que votar, não votaria em nenhum dos dois. O Barack Obama foi eleito como salvador da pátria. Me lembro que na época (em 2007/2008) eu comentei que estava acontecendo aqui o mesmo que aconteceu com o Brasil na época do Collor. O povo achava que num passe de mágica o presidente misto de super-homem iria resolver todos os problemas do país. Além da expectativa ser muito alta, não levavam em conta que o Obama tinha experiência administrativa igual a zero, nunca tendo tido um cargo executivo nem de síndico de prédio. Naquela eleição, se era para eleger alguém sem experiência executiva, teria feito mais sentido eleger a Hillary Clinton, pois de quebra ganharíamos o Bill Clinton, que é reconhecido como o melhor político da geração dele.

O Obama se elegeu, foi aquele oba-oba todo por ser o primeiro presidente negro, mas passada a euforia, a realidade é que o país enfrentava uma crise gravíssima, resultado de 8 anos desastrosos do "governo" Bush. Para resolver uma crise desse tamanho, o país precisaria de um presidente que exercesse liderança sobre a classe política, quebrando a barreira entre os partidos, que tivesse coragem de adotar medidas severas, muitas vezes impopulares e, principalmente, que tivesse um plano e gerenciasse a sua execução. Ora, o Obama não tinha nada disso o que foi logo percebido pelos políticos e a crise continuou a se aprofundar.

Já o Mitt Romney, embora tenha sido um bom governador em Massachusets e ter uma grande experiência empresarial, tem que seguir a doutrina do partido republicano, que na minha opinião é muito radical e, por ser muito apoiado pelas grandes empresas e pelo mercado financeiro, não vai fazer as reformas que precisam ser feitas. Além disso, com a possibilidade de durante os próximos quatro anos dois juízes do Supremo se aposentarem, o Romney nomearia mais dois conservadores o que quebraria o já tênue equilíbrio daquela corte, causando um retrocesso principalmente com relação aos direitos individuais.

O que os EUA precisam hoje é de um partido e um presidente de centro, que entenda que quanto maior a crise, maior a união necessária para vence-la. Um presidente que tenha experiência e legitimidade política, que não esteja comprometido com determinados grupos de interesses por ter sido eleito com o dinheiro deles.

Lendo artigos no jornal e até as cartas dos leitores, parece que todo mundo tem planos e sugestões prontos para resolver os problemas do país, menos os dois candidatos (ou os quatro, se incluirmos os respectivos vices). Eu também tenho e, assim como os 10 mandamentos, ele tem 10 pontos para uma reforma política e econômica de base:

1- Elaborar um orçamento realista, que reduza as despesas progressivamente (não é simplesmente gastar menos e sim gastar de forma mais inteligente), eliminando aos poucos o déficit e o endividamento, reduzindo o tamanho do governo - isso é possível e foi feito durante o governo Clinton;
2- Adotar medidas que incentivem as empresas a criarem empregos dentro do país e sobretaxando aquelas que exportarem trabalho ou capital - mais empregos nos EUA e não na China;
3- Passar uma lei especial, do tipo oportunidade única, dando incentivos para as empresas repatriarem lucros que hoje estão nos paraísos fiscais para evitar taxação aqui. Mudar a partir daí a legislação visando evitar repetição do problema;
4- Reformar e simplificar o código tributário, tornando-o simples e direto: acabar com os milhares de casos especiais de que as empresas se aproveitam (os loopholes) e, no caso dos indivíduos, eliminar os tetos - taxação sobre a renda total, independente do valor;
5- Criar um programa, juntamente com as empresas e as universidades, visando o treinamento de mão de obra ociosa (leia-se desempregados), com incentivos para a contratação - ao invés de ficar pagando seguro-desemprego, o governo usaria o dinheiro para ajudar a empresa a contratar (por exemplo, reduzindo por um certo período os encargos trabalhistas). Ainda que houvesse uma temporária redução de arrecadação, ela seria compensada com a economia em seguro-desemprego e outras formas de amparo social, sem contar que o contratado passaria a consumir e a pagar imposto, ajudando a aquecer a economia;
6- Regulamentar o mercado financeiro, voltando a separar bancos comerciais das empresas de investimentos financeiros, e colocar maiores controles visando maior transparência em produtos "exóticos" como os derivativos, que foram o estopim dessa crise econômica;
7- Melhorar a competitividade do país, investindo em infra-estrutura portuária, de energia, transporte de cargas, e incentivando os estados a simplificarem os processos de abertura e manutenção de empresas - além de gerar empregos isso reduziria a burocracia e os custos embutidos nos produtos e serviços;
8- Reforma da lei eleitoral, criando limites de mandatos para deputados e senadores, acabando com o colégio eleitoral e limitando os valores de contribuição e gastos de campanha;
9- Instituição de um comitê supra-partidário para auto-regulamentação e controle da propaganda política, similar ao que existe hoje na área de marketing; 
10- Tudo isso seria parte de um "Plano de Metas", com uma estrutura de gerenciamento profissional (e apolítica) e com pontos de verificação pré-definidos, para assegurar que não se perdesse no caminho.

Mas, como não sou candidato, acho que isso não vai acontecer e vamos continuar patinando sem sair do lugar, ou andando para trás. A solução talvez seja começarmos a aprender chinês...