quarta-feira, maio 17, 2006

A Lei das Consequências Inesperadas

Todos nós já ouvimos falar da Lei de Murphy, aquela que diz que se algo pode dar errado, certamente dará. O que poucos sabem é que a Lei de Murphy é parte da “Law of Unintended Consequences”, ou Lei das Consequências Inesperadas.

O que diz esta Lei? Ela postula que “quase todas as ações humanas têm pelo menos uma consequência inesperada”. Em outras palavras, ela quer dizer que cada causa tem mais do que uma consequência, incluindo resultados inesperados.

Esta Lei me veio à cabeça ao ler o noticiário dos últimos dias, em particular duas notícias. A primeira, publicada na semana passada, relatava os resultados trimestrais anunciados por diversos bancos brasileiros. Bancos como Bradesco e Itaú anunciaram lucros acima de 700 milhões de dólares, ao passo que o Banco do Brasil registrou um lucro líquido de 1 bilhão de dólares. Um bilhão de dólares! US$ 1.000.000.000,00.

São resultados espantosos, pois se referem ao lucro e não à receita, a um trimestre e não ao ano todo e estão expressos em dólares e não em reais. Além disso, estamos falando de bancos brasileiros e não suíços.

A segunda notícia, publicada ao longo desta semana, descrevia os graves acontecimentos em São Paulo, onde quadrilhas resolveram se rebelar contra a decisão do governo estadual de transferir de prisão alguns dos líderes de facções criminosas. Depois de vários dias de clima de guerra, ficou um saldo de mais de uma centena de mortos, uma população amedrontada e a constatação, mais uma vez, do total despreparo do aparato de segurança pública.

O que a Lei das Consequências Inesperadas tem a ver com estas duas notícias, aparentemente desconexas? Na minha opinião, tudo. Para provar a minha tese, façamos uma viagem no tempo.

Durante os anos da ditadura militar, o governo investiu bastante no aparato de segurança, ao mesmo tempo em que criava as bases para o moderno sistema bancário brasileiro.

A área de segurança, obviamente uma prioridade para um regime que tomou o poder e se manteve nele à base da força, cresceu e se aparelhou, mas com foco deturpado, já que a sua principal missão era proteger o regime e não a população. As atividades de inteligência, cruciais na prevenção e combate ao crime, se voltaram para a identificação dos “comunistas” e não observaram a gradual evolução do crime. O crime organizado até então tinha como principais lideranças os banqueiros de bicho, mas novos personagens surgiram à medida que o tráfico de drogas cresceu e se estruturou.

Com o fim da ditadura militar houve uma ressaca de liberdade e os novos governos eleitos erradamente confundiram repressão ao crime com cerceamento de direitos. Plataformas políticas demagógicas evitaram a imposição de um estado de lei nas favelas e bairros menos favorecidos, criando um campo fértil para o tráfico de drogas se estabelecer como o governo de fato nestas áreas.

Em paralelo, o sistema bancário cresceu bastante durante o governo militar, pois o modelo de desenvolvimento do país se baseava em altos investimentos em obras de infra-estrutura custeadas à base do endividamento, supondo-se que em algum momento elas gerariam receitas e se pagariam. Entretanto, corrupção e má gerência fizeram com que as despesas superassem em muito as receitas, forçando ao aumento sucessivo do endividamento interno e externo. Além disso, nas décadas de 80 e 90, devido às diversas crises no mercado internacional, o dinheiro que até então era barato, passou a ficar mais caro e difícil de ser conseguido, forçando o governo a rolar seus empréstimos em situações cada vez menos vantajosas.

Os bancos brasileiros, intermediários ou fornecedores diretos da matéria-prima que o governo tanto precisava - o dinheiro, experimentaram uma explosão de crescimento, alimentada por uma política de juros altíssimos.

O governo, como principal tomador, passou a ser o principal cliente dos bancos, que deixaram de exercer o seu papel original de fomentadores de negócios. Assim, o mercado não produtivo (capital financiando capital) sufocou o mercado produtivo (capital financiando trabalho), causando inflação, recessão, falta de emprego, empobrecimento da população e total incapacidade de investimento por parte do governo.

Muito embora algum progresso tenha sido feito nos últimos anos no controle das finanças públicas, com redução da inflação, melhoria do perfil da dívida pública e mais transparência no uso do dinheiro público, muito ainda tem que ser feito. O lado social, totalmente relegado a segundo plano nas últimas décadas, continua necessitando de iniciativas sérias, de longo alcance, sem cunho demagógico ou político.

Neste ponto, os dois fatos desconexos, se juntam: de um lado, bancos ricos florescendo em um estado falido, sem capacidade de dar à sua população condições mínimas de trabalho, saúde, educação e segurança, e do outro, quadrilhas bem armadas, solidamente estabelecidas, com efetivo controle de áreas inteiras nas cidades, se aproveitando da miséria do povo e da ausência do estado.

Portanto, o que aconteceu em São Paulo não deveria ser surpresa. Temo que seja apenas o começo de um confronto entre o crime organizado e a sociedade organizada (nem tanto). O Brasil por muitos anos fechou os olhos ou virou o rosto para não ver o crescimento das favelas, o empobrecimento da população, a total inversão de valores que deveriam ser a base de uma sociedade civilizada. Agora, a realidade explode na nossa frente e não tem como fingirmos que não estamos vendo.

Infelizmente, não há solução simples a curto prazo. De imediato, tem que haver repressão séria, eficaz, com os governos municipal, estadual e federal deixando de lado o partidarismo e priorizando o bem estar da população. Aparentemente, esta oportunidade foi perdida em São Paulo, onde supostamente preferiu-se negociar com os bandidos do que dentre os diversos níveis de governo.

A médio e longo prazos, as soluções são bem conhecidas e só não são adotadas por falta de vontade política e de cidadania. São soluções que não dão voto em novembro, mas que poderiam mudar o país. Soluções básicas como tornar o estado mais eficiente e menos corrupto, implantando práticas de gerência profissional, investir em educação, saúde e segurança e incentivar o trabalho, a produção e não apenas o capital improdutivo.

Não é tarefa fácil, mas não é impossível. Não faltam exemplos de países que estavam em situação pior do que o Brasil e hoje despontam no cenário internacional como países competitivos e que estão gerando oportunidades de melhoria de vida para seus povos.

O Brasil tem recursos, talento, uma população ordeira e trabalhadora. Falta apenas liderança. Até que ela apareça, continuaremos a ver as leis do país sendo descumpridas e a Lei das Consequências Inesperadas cada vez mais em evidência.

3 comentários:

Anônimo disse...

apenas uma correção... o Lucro dos bancos Brasileiros, mesmo sendo absurdos (visto que não produzem diretamente nada) estão na casa de 1,5 bilhão de REAIS e não dólares, apenas o licro do Banco do Brasil passou dos 2 bilhões de reais e portanto chegou na marca de 1 Bilhão de DÓLARES

Marco Malka disse...

Obrigado pela correção.
Realmente o Banco do Brasil foi o único que atingiu 1 bilhão de dólares (2,3 bilhões de reais) de lucro. O Bradesco registrou lucro líquido de US$ 724 milhões, enquanto que o Itau lucrou US$ 708 milhões. Ainda assim, são marcas impressionantes em termos de Brasil.
Vou corrigir o meu artigo.

Anônimo disse...

Futuro....voce tem artigos para um livro...uaaaauuuuu! Eu nao conhecia estes seus dons naturais..marco.
Continue pois os artigs sao muito informativos e educativos.Beth Afonso