domingo, maio 21, 2006

O jogo do empurra – O jogo em que todos perdem

Nos últimos anos muito se tem falado e supostamente investido em “Satisfação do Cliente”, “Central de Atendimento ao Cliente”, “Direito do Consumidor”, etc.

Entretanto, a sensação que se tem é de que os consumidores (todos nós) estão cada vez mais desamparados. Seja o passageiro de avião que tenta inutilmente localizar a bagagem que viajou para local desconhecido, ou o cliente que liga para o telefone 800 (isto quando há um número gratuito disponível) e fica minutos ou horas ouvindo uma gravação monótona agradecendo por uma paciência que já se esgotou há muito tempo, ou o contribuinte que procura resolver algum problema em uma repartição pública e constata que se tornou uma pessoa invisível. Todos estão participando, sem saber, de um jogo chamado “Jogo do Empurra”.

A regra principal do jogo é evitar jogar e passar a vez para o próximo. Na gíria, isto é conhecido como “tirar o corpo fora”. A estratégia é evitar ao máximo assumir responsabilidade por algo e passar adiante.

Tente lembrar qual foi a última vez (se é que alguma vez aconteceu) em que você ouviu alguém dizer: “isto não é da minha área de responsabilidade, mas eu vou pessoalmente cuidar para que este assunto seja resolvido e entrar em contato com você quando estiver resolvido, ou para informar o progresso” e realmente fazê-lo?

Em inglês isto se chama “take ownership”, que em português, numa tradução livre, quer dizer assumir a responsabilidade. Hoje em dia, cada vez mais, é difícil achar uma empresa ou repartição onde os funcionários estejam dispostos a assumir a responsabilidade de resolver um problema, do começo ao fim. A ordem vigente é passar adiante o mais rápido possível. Má vontade pura e simplesmente? Não creio. Acho que há vários motivos possíveis para tal:

1- O desafio da estatística: Com o advento dos Centros de Atendimento a Clientes, também chamados de call centers, grande parte deles terceirizados, o foco passou a ser atender o maior número de pessoas num determinado período de tempo. Os relatórios estatísticos dos centros mostram quantidade de atendimentos por hora, duração média de cada atendimento, tempo de espera na fila, produtividade de cada atendente, etc., mas dificilmente há medições para aferir a eficácia do atendimento, ou seja, se o problema foi efetivamente resolvido. Ora, se eu sou um atendente de um call center e tenho que manter a minha produtividade alta, cumprindo metas pré-estabelecidas, eu vou tentar atender o maior número de pessoas o mais rápido possível. A melhor forma de fazer isto é passar o problema adiante, ou simplesmente dar uma “solução” que na verdade não resolve nada.

2- Treinamento insuficiente: A maioria dos atendentes são funcionários mal pagos, mal treinados, e sem incentivo para fazer aquele “algo mais” em benefício do cliente. Muitos alegam que isso é devido à alta rotatividade do setor, mas creio que esta é a consequência e não a causa, afinal de contas deve ser extremamente frustrante trabalhar nestas condições. Funcionários bem pagos e bem treinados custam caro. Os call centers internos são vistos como centros de custos e não de receitas, ao passo que os terceirizados têm que manter seus custos baixos para poderem ser competitivos. Já os funcionários públicos, além de mal treinados, são desmotivados por salários abaixo dos de mercado e por poucas perspectivas de crescimento de carreira.

3- Compartimentalização: É comum as empresas estarem estruturadas em setores estanque, em que um setor lida apenas com aquilo que lhe diz respeito, não havendo processos que cubram o ciclo de vida completo, abrangendo diversos setores. Isto serve de incentivo adicional ao jogo de empurra. Portanto, não é surpresa que o pobre cliente seja transferido de um setor para outro, muitas vezes voltando ao ponto de origem.

O cliente ou contribuinte virou apenas mais um número numa estatística, apenas mais um a atrapalhar o andamento do jogo. Perdeu-se a sensibilidade, a compaixão, a vontade de fazer a diferença dando uma solução de fato ao problema.

Neste jogo, perdem todos.

Perdem os clientes, que gastam cada vez mais tempo e energia para resolver situações muitas vezes banais, frequentemente desistindo, se resignando pela total sensação de impotência. Exemplos não faltam e pipocam nas reclamações aos jornais, numa tentativa desesperada de serem ouvidos. Quem já lidou com a CEG, Telemar e com repartições públicas sabe a que me refiro.

Perdem também as empresas, pois gastam fortunas em anúncios de produtos e em campanhas institucionais para reforçar a imagem da marca, mas acabam jogando tudo isso fora ao atender mal aquele que ela tanto cortejou – o cliente. Este acaba pulando de uma empresa para outra (quando há alternativas) na busca de um serviço ou produto que cumpra o prometido. Quem já lidou com a Net, operadoras de celular (qualquer uma) e outras empresas que investem mais no marketing do que na qualidade do atendimento, provavelmente já passou por situações semelhantes.

Está na hora das empresas lembrarem que a razão delas existirem é o cliente. Sem o cliente, por mais chato, exigente ou complicado que ele possa ser, não há quem compre os produtos ou serviços.

Hoje em dia várias empresas, como por exemplo as operadoras de celular, oferecem produtos e serviços muito semelhantes. O que poderia e deveria fazer a diferença é o suporte que o cliente obtém no uso destes produtos e serviços. Mas, infelizmente, as empresas resolveram se igualar também neste quesito, por baixo, ignorando o que poderia ser a maior vantagem competitiva.

Portanto, ao entrar no jogo, saiba que você precisará de muita paciência e perseverança para poder ganhar. Provavelmente terá que enfrentar diversas rodadas, voltar várias casas antes de poder seguir em frente, ser penalizado, mas não desista. Quem sabe assim as regras um dia mudam.

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