terça-feira, julho 03, 2012

Diários de Viagem: 9 - Fortaleza, Oásis e Cratera

Conforme mencionei no último artigo, passeamos um pouco pelo moshav de manhã cedo e fomos embora, para chegar em Massada o mais cedo possível, antes que ficasse muito quente. Apesar de Massada ser perto do hotel (uns 40 minutos), nossa tentativa foi em vão: o calor já estava muito forte e aumentando. Para chegar lá, dirigimos novamente pela 90, margeando o Mar Morto, na direção norte, voltando pelo mesmo caminho que tínhamos passado na véspera.

De longe, Patricia avistou Massada, no alto da maior montanha nas redondezas, o que faz sentido. Mas para vocês entenderem melhor porque faz sentido, bem como a importância de Massada, vou ter que contar um pouquinho da sua história, porque fora de contexto o local (como tudo em Israel) perde muito do significado.

Vista aérea de Massada, com referências
Massada foi uma fortaleza construída por Herodes (rei que Roma havia nomeado para tomar conta de toda a região chamada de Judéia na época) por volta de 30 AC. Ele temia que um dia os judeus se revoltassem contra o domínio romano e queria um lugar seguro para se refugiar. Massada era perfeito, pois a montanha tem cerca de 400m de altura, é de difícil acesso e ele ainda construiu uma fortaleza no topo. Para garantir o abastecimento de água, ele construiu cisternas enormes, que captavam a chuva, além de um palácio, locais para armazenagem de comida, alojamento para soldados, etc.

Herodes acabou não precisando usar Massada como refúgio, pois morreu antes da revolta. Em 66 DC um grupo de judeus se revoltou, conseguiu conquistar Massada e passou a viver lá, fora do domínio romano. Em 70 DC, com a destruição pelos romanos do Segundo Templo, mais judeus se refugiaram em Massada. Logicamente, o Império Romano não gostou muito da brincadeira e em 73 DC mandou uma legião, que cercou Massada por 3 meses, até conseguir invadir.

Ao entrarem em Massada, a surpresa macabra: os 960 judeus que viviam lá tinham cometido suicídio em massa, preferindo morrer a serem subjugados pelos romanos. Conta a história que 10 homens foram escolhidos para matar os moradores e, ao terminarem, se suicidaram.

Nos tempos modernos, Moshé Dayan, famoso general que liderou Israel na Guerra dos Seis Dias, passou a realizar em Massada o juramento de novos soldados que completam o treinamento, em uma cerimônia que termina com a declaração de que ""Masada não cairá novamente", prática que continua até hoje.

Ao chegarmos lá, estacionamos o carro no amplo estacionamento no subsolo do prédio moderno que contrasta com a paisagem desértica do local e fomos comprar os ingressos. Aqui cabe mais uma dica de viagem: Massada e vários outros lugares em Israel são considerados parques nacionais. A entidade que administra os parques vende passes, que valem para 6 parques, a um preço mais baixo que se comprados individualmente. Os passes podem ser comprados em qualquer um dos parques e foi o que fizemos.

Há duas formas de subir Massada: por um teleférico ou a pé, por uma longa rampa chamada "caminho da cobra" (snake path). A subida da rampa é puxada e, em função do calor, deve ser feita por volta do amanhecer. Logicamente, fomos de teleférico, que permite uma bela visão do deserto, das montanhas e do Mar Morto e em cerca de 3 minutos estávamos lá em cima.

Vista aérea, com as ruínas visíveis
O platô no alto da montanha, onde estão as ruínas, é enorme! Como ficou praticamente intocado por quase 2 mil anos, muitas construções sobreviveram ao tempo. A visita à Massada requer caminhada (sob um sol escaldante) e tempo. Como sempre, havia muitos grupos de excursão com guias, o que atrapalhava muito, porque eles entravam em um local e ficavam parados lá dentro ouvindo explicação do guia, congestionando. Ficamos felizes por não estarmos em excursão  :-)

Em resumo, visitamos ruínas de moradias, do palácio, vimos os armazéns onde guardavam comida, casas de banho, e até mesmo entramos em uma cisterna imensa, para onde um sistema de canais levava a água da chuva. O visual lá de cima é deslumbrante e ora fotografávamos as ruínas, ora a paisagem.

O calor parecia aumentar cada vez mais e tivemos que encher nossas garrafas de água várias vezes. Fico imaginando como teria sido viver lá há quase 2 mil anos, ainda mais cercados por tropas romanas, sabendo que não haveria como resistir ou escapar.

Depois de caminharmos por todo o complexo, descemos novamente pelo teleférico e passamos por um dos subsolos, onde há banheiros e um restaurante bem grande, estilo self-service, além da obrigatória lojinha de artigos de lembrança para turistas. Veja as fotos e filme de Massada aqui.

De Massada, continuamos na direção norte, margeando o Mar Morto, para o oásis de Ein Gedi, que também fica à beira do Mar Morto, perto de Qumram (onde foram encontrados os Manuscritos do Mar Morto, que vimos no Museu de Israel, em Jerusalém). Na véspera, no caminho do hotel, tínhamos passado tanto por Massada como por Ein Gedi mas como saímos do banho no Mar Morto tarde, não daria tempo de visitar. Assim, estávamos voltando boa parte do caminho.

Antes de entrar no parque de Ein Gedi, há na estrada um local onde tem lojas, restaurante e acesso à praia. Como estávamos com fome, resolvemos comer lá. O local era simples, típico de parada de ônibus, onde se vende de tudo. Você se serve e paga um preço único por prato. Foi engraçado a atendente no caixa querendo me convencer a pegar mais comida porque o preço seria o mesmo. Apesar da simplicidade do local, a comida era boa, meio caseira. Fome saciada, seguimos para Ein Gedi.

Ao chegar, há um amplo estacionamento e as bilheterias, com lanchonete e lojinha daquelas que tem de tudo, desde lembranças até protetor solar. Estava bastante cheio, com muitas famílias e crianças, pois era sábado. Ein Gedi é também um parque nacional e novamente usamos o passe que compramos em Massada.

O calor estava de rachar e nem mesmo as nossas garrafas com isolamento térmico conseguiam manter a água gelada. Ein Gedi tem várias cachoeiras e é mencionado várias vezes na bíblia. Por estar numa região desértica, tem uma importância muito grande para a fauna e flora local. Em função da relativa abundância de água, há na área um Kibbutz (comunidade agrícola) fundado em 1956 e um jardim botânico de fama internacional (chegamos a entrar nele por engano, no caminho para Ein Gedi, mas não visitamos).

Depois de entrarmos, pegamos uma trilha de terra muito seca. Apesar de ser um oásis, a paisagem era de deserto, árida, exceto por algumas árvores. De repente, aparece uma cachoeira, com a água praticamente escorrendo por entre as rochas! Muito exótico... Ficamos com pena de termos esquecido de vir com roupa de banho, pois um banho de cachoeira pegaria bem no calor que estava fazendo. Portanto, se alguém que estiver lendo um dia for a Ein Gedi, não esqueçam.

Continuamos pela trilha, que agora estava subindo. Tivemos que ter muita força de vontade para continuar. O caminho não é dos mais fáceis, pois além de não ser plano, tem rochas e pedras. Ao longe, começamos a ouvir mais som de água caindo. Vimos vários animais, entre eles o Íbex, que lembra um veado e quase foi extinto e o hyrax, além de várias aves.

Chegamos à outra cachoeira e Patricia acabou não resistindo, se molhando na "piscina" formada por ela, enchendo a garrafa de água e jogando na cabeça! Ela diz ter sido "bem refrescante e melhor do que nada". Por pouco não mergulhou. Como eu não tenho tanta disposição quanto ela, me limitei a molhar o rosto, os braços e a nuca naquela água transparente. Mais adiante, outra cachoeira, ainda mais forte. Ficamos lá apreciando a paisagem por um tempo e começamos a descer de volta, na direção do estacionamento.

De acordo com o folheto do parque, havia mais cachoeiras, mas ficavam longe, subindo uma trilha por mais de uma hora. Como nem tínhamos tempo e nem disposição para isso, não fomos. Ainda tentamos acessar pelo outro lado do parque, mas fomos avisados que também levaria muito tempo e não daria para completar a trilha antes do fechamento. No caminho, nos deparamos com alguns íbex e aproveitamos para tirarmos várias fotos.

Dirigimos então para a antiga sinagoga que há na área. Há registros de que desde a época do Segundo Templo havia uma comunidade judaica na área, além de ser ponto de parada ou passagem de viajantes e tribos nômadas, por causa do oásis. A sinagoga foi construída no século 3 e passou por algumas renovações e expansões até por volta do ano 530, quando foi destruída por fogo, juntamente com a comunidade local, já que matar judeus sempre foi um esporte popular ao longo dos tempos. Em 1965 por acidente acharam o chão de mosaicos (que mostro nas fotos). Na década de 70 escavações acharam mais restos, permitindo restauração parcial do local.

A sinagoga deve ter sido muito bonita e simples, já que a comunidade vivia de cultivar tâmaras e romãs, de onde extraíam um bálsamo usado para fazer perfumes, com uma fórmula secreta que só a comunidade tinha. Esse fato aparentemente é confirmado por um dos escritos no mosaico, que alerta  "... aqueles que cometem pecados causando conflitos na comunidade, .... ou revelando os segredos da cidade". Pelo visto segredo industrial já existia. Veja as fotos de Ein Gedi e da sinagoga aqui.


Mapa mostrando Ein Gedi, Massada, o Negev e Mitzpe Ramon.
Pegamos a estrada novamente, já que tínhamos um bom pedaço de chão pela frente até Mitzpe Ramon, saindo do deserto da Judéia e entrando na região do maior deserto de Israel, o Negev. Essa região, que corresponde a 55% da área de Israel, fica ao sul de onde estávamos, como pode ser visto no mapa.

Margeamos o Mar Morto até o final e depois seguimos na direção sudoeste, mais para o centro. Havia muito trânsito na estrada, que em alguns pontos tinha muitas curvas e subidas, o que reduzia muito a velocidade média. O visual cortando o deserto - areia, montanhas ao entardecer era muito bonito.

Chegamos a Mitzpe Ramon no início da noite, cansados. Mitzpe Ramon quer dizer literalmente "ponto de observação de Ramon". Leva esse nome porque a cidade está situada a 860m de altura, no pico do monte Negev, de onde se avista a Cratera de Ramon, a maior cratera do mundo não causada por erupções vulcânicas ou meteoros. A cratera foi causada por erosão e por isso tecnicamente não é uma cratera e sim uma "makhtesh". O nome Ramon foi dado em homenagem ao primeiro astronauta israelense, Ilan Ramon.

Na área interna do hotel
O hotel aparentava ser novo, bem agradável. O quarto era muito bom, espaçoso e tranquilo. Depois de um banho, queríamos jantar mas mesmo com a ajuda da recepção do hotel (meio enrolada, como sempre), não conseguimos achar nada aberto e eram 9 da noite ainda!

Resolvemos rodar pela cidade de carro e ver se achávamos algo aberto. A cidade é muito pequena, com cerca de 5 mil habitantes que pelo visto dormiam muito cedo. Os restaurantes e lanchonetes por onde passamos estavam todos fechados.

Acabamos achando uma lojinha aberta, tipo mini-mercado, onde compramos batata frita, perú defumado, vinho, chocolate e esse foi o nosso jantar, no quarto do hotel.

A noite estava bem agradável, quieta, mas estávamos cansados, um cansaço bom de mais um dia de muitos lugares interessantes, então fomos dormir, para recarregar as baterias para o dia seguinte, quando iríamos conhecer a cratera e continuar cortando o deserto do Negev,  rumando para o extremo sul de Israel, Eilat.


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Um comentário:

Janete disse...

Impressionante! um pais dos contrastes! Um pais que preserva sua história mas avança para a modernidade. Uma grande prova de amor pela pátria. Aprendendo muito.
Entendo a emoção de quem visita Israel.